

neste país tudo é fado doa a quem doer até o pessoa dá para gemer - Mendes de Carvalho in "Poemas de Ponta e Mola"
Vem hoje no “Sol” um longo artigo de José António Saraiva que desenvolve uma pitoresca tese socio-económica : num país em que não se consegue contratar uma “empregada doméstica interna”, as políticas de apoio social devem ser “repensadas”pois provavelmente os subsídios estarão a fomentar a “preguiça”.
Não posso deixar de classificar esta teoria macro-económica como socialmente asquerosa pelas razões que passo a enunciar :
1 – As criadas (é assim que se diz na minha terra, senhor doutor...) trabalham 16 horas por dia durante 6 dias por semana e recebem (quando recebem...) 400 euros no fim do mês, o que dá uma média horária de 96 cêntimos de retribuição.
2 – As criadas dormem geralmente em quartos interiores exíguos e sem janela e devem ser obedientes e atentas aos desejos dos seus amos – o senhor doutor, a esposa do senhor doutor e os filhos do senhor doutor que, no melhor dos casos, as tratam por tu e, no pior, as desrespeitam numa base regular.
3 – As criadas são, assim, uma “profissão” que tende a não ter um grande número de candidatas no Portugal do século XXI por o seu exercício se assemelhar bastante ao da escravatura doméstica, dependendo da bondade dos seus amos o grau da sua infelicidade pessoal.
Assim, aos senhores doutores que se queixam amargamente por não conseguirem contratar uma Maria corada que lhes limpe a casa, cozinhe as refeições, passe a roupa a ferro e leve os meninos ao colégio, eu recomendaria que comecem por dobrar as suas próprias meias porque a vida está mesmo pela hora da morte e, de facto, ainda não atingimos o grau de pobreza miserável generalizada dos anos 40 que garantia o fornecimento de carradas de "empregadas domésticas internas"...
PS - Este "problema" de escassez de criadas já é antigo. Tanto que é conhecida a história do banqueiro que as ia buscar aos pares às Filipinas nos anos 80 e lhes pagava um magro salário que era "guardado" pela esposa num acesso de caridade cristã, não fossem as raparigas gastá-lo mal gasto em iniquidades...